Vejo pessoas que seguem regras rígidas e se justificam alegando que está escrito na Bíblia. Não poupam julgamentos e críticas, lançam frases feitas cheias de preconceitos e arraigadas num tempo sombrio e há muito passado. Afinal elas são mulheres decentes.
Mulher decente não larga o marido, mulher decente não usa esse tipo de roupa, mulher decente sofre calada e aguenta tudo em nome da família, mulher decente segue à risca o que está escrito na Bíblia, mulher decente jamais larga seu lar só porque seu marido às vezes perde o controle e grita com ela, até dá uns tapinhas, mulher decente se anula em nome da família. Se seu marido não quer que ela trabalhe, ela larga o emprego. Se ele não admite que saia de casa sem ele, ela não sai de casa a menos que seja para ir ao mercado. Se ele tem amante, ela tem que aceitar sem reclamar, afinal é ele quem sustenta a casa e tem direito a um pouco de diversão. Aliás, ele faz com a “outra”, o que Deus não permite que faça com sua esposa, ele no fundo está respeitando sua esposa decente.
É inegável que o mundo passou por revoluções, mudanças das mais variadas ordens, principalmente no convívio social. Antigamente as pessoas morriam de gripe, hoje há cura para doenças muito mais severas. Antes usavam fogão à lenha e hoje há micro-ondas. Há 40 anos o telefone fixo era um luxo, hoje qualquer pessoa usa telefone celular.
Seguindo essa linha, é perceptível o quanto evoluímos e com isso, as regras e leis foram se adaptando ao novo convívio. Tudo evolui, inclusive os relacionamentos e as religiões. Na época de Moisés, eram necessários os 10 rígidos mandamentos, era a época do dente por dente, olho por olho. Foi um tempo que só se conseguia liderar um povo através do medo. Hoje é um tempo onde a conversa tem um espaço muito maior, onde há leis que regulam os relacionamentos. Qualquer delito tem sua penalização conforme sua gravidade. Está numa fase ainda embrionária, porém hoje existe a tendência de se enxergar o ser humano e não mais se é do gênero masculino ou feminino, pois há o entendimento que se deve ter respeito pela pessoa, independentemente de quem é, quais títulos tem, quanto é sua fortuna ou pobreza. Infelizmente é óbvio que há muita discriminação e interesses que atrapalham o que deveria ser simples e básico, mas hoje há recursos de defesas que antigamente nem sequer se cogitava existir.
Será que a pessoa que se diz religiosa, seguidora fervorosa de sua doutrina e que se sente à vontade para criticar o outro com base em suas crenças e forma de ver o mundo, reflete sobre as regras que sua religião lhe impõe? Questiona se o líder religioso que segue, tem razão em absolutamente tudo? Levando em conta que não há perfeição e muito menos pessoa perfeita, é possível seguir de olhos fechados o que o outro lhe impõe? Será que tem a humildade de se perguntar se sua conduta é um bom exemplo a ser seguida? Vive plenamente sua vida, não tendo tempo para criticar o outro e quando tem tempo, o dedica à caridade?
A mulher decente e religiosa que julga a mulher que trabalha e que não se anula como uma indecente, entende as conquistas que essas indecentes lutaram e lutam para ter? E que essas conquistas são para todas as mulheres? A mulher que tem sua independência, que não obedece seu marido, muitas nem marido querem ter, que decide se terá ou não filhos, muitas vezes bancam sua casa e se veste como bem entende, pois sabe que muitos podem não concordar consigo porém, todos devem respeitá-la, é vista como indecente por quê? Por que tem a audácia de romper regras? Por que percebe sua força e vai atrás dos seus objetivos? Por que sabe que seus objetivos não são limitados ao lar, à família e ao que os outros querem impor-lhe? Por que sua atitude empoderada de quem se basta, assusta e ao mesmo tempo, mostra que toda mulher pode o que quiser? Ou será por que, para a mulher decente é mais confortável viver uma vida que há anos é tida como certa e isso não a obriga a testar seus limites? Puro medo de viver sua vida com plenitude ao invés de viver seguindo padrões impostos porque isso dá muito mais trabalho?
Ser quem se é de verdade, de forma totalmente autêntica, implica em luta, cansaço, recomeço, persistência e humildade. De fato, não é para qualquer pessoa.