Paula
Era começo de dezembro e o calor estava sufocante, Paula se perguntava por que não esperou o fim do ano, a passagem das festas para se mudar. Teria que arrumar sua nova casa e ainda pensar em como faria com o Natal e Ano Novo. Apesar de estar separada há 3 anos, o fato de mudar da capital para uma cidade menor mesmo que perto, era um tanto assustadora. Seus filhos já não moravam com ela, o filho foi morar com um amigo assim que entrou na faculdade e a filha morava com o namorado há 1 ano.
Paula e Mauricio se conheceram na faculdade e logo começaram a namorar, se casaram aos 20 anos e ficaram por 25 juntos. Até que um dia, o seu marido a convida para jantar fora e na conversa explica que tinha se apaixonado por outra mulher. Paula levou um baque, mesmo sabendo que há algum tempo o casamento estava morno. Mal conversavam e saiam cada vez menos juntos, normalmente saiam com amigos, visitavam a família, mas deixaram de dedicar tempo um ao outro. No fundo ela estava infeliz e não conseguia conversar com Mauricio, sentia falta da época que eles eram felizes apenas por estarem juntos. Com o tempo ambos ganharam mais dinheiro e construíram uma vida mais confortável, mas em contrapartida, os laços entre os dois foram se afrouxando e nenhum deles teve a coragem ou vontade de refazê-los. Foi se criando o tanto faz, a falsa ideia de que em todo casamento é assim, que com o tempo as coisas voltam a se encaixar e tantas outras desculpas de quem não tem coragem de encarar o problema para resolvê-lo.
No dia seguinte chamaram os filhos e comunicaram a decisão do divórcio. Houve algumas lamentações, mas nada passional, todos foram muito práticos e educados, como sempre. Depois de alguns dias, Mauricio saiu de casa e foi viver com sua nova namorada. Paula tentou deixar a casa com sua cara, tirar dali os vestígios do seu ex-marido. Ela se dedicou ainda mais ao trabalho de professora de literatura num colégio particular de prestígio, começou aulas de dança, pilates e até de cozinha. Continuou apenas com o pilates, pois apenas reafirmou que cozinha e ela não eram nada afins. Só depois de uns 3 meses da separação, se permitiu sair com amigas do trabalho para cinemas, bares e teatro. Ela ficou por um ano vivendo o luto do casamento desfeito. Nas férias do ano seguinte resolveu ir sozinha para Natal. Lá fez amizades, se divertiu muito e conheceu Sergio, um economista de 48 anos do Paraná, também divorciado e tentando recomeçar sua vida amorosa. Durante os 15 dias eles viveram como dois namorados, não havia problema, conflitos ou alguém que pudesse atrapalhar a harmonia que criaram. Levaram esse namoro a distância por seis meses, nos 3 primeiros ambos se revezaram e conseguiram se ver a cada 15 dias. Depois os telefonemas e mensagens foram se espaçando, Paula percebeu que Sergio estava se esquivando quando ela comentava de marcarem outro encontro. O namoro esfriou e Sergio anunciou que iria se casar com uma colega do trabalho, aquilo foi outro baque que ela não esperava. Acabou se culpando por mais um relacionamento malfadado. Tentou rever seu comportamento como mulher e acabou criando um monte de defeitos em si e entrou em depressão, esqueceu que um relacionamento depende dos dois envolvidos.
Decidida a nunca mais se envolver com ninguém, criou uma armadura que afastava qualquer pretendente. Acabou acreditando que não era feita para relacionamento e que todos os homens apenas queriam transar com ela e, depois que se cansassem a trocariam por outra mais nova. Acreditava que sexo não estava dissociado do amor e acabou se tornando uma mulher amarga e trancafiada em si.
Quando sua filha resolveu morar com o namorado, Paula percebeu que estava sozinha numa cidade grande e que já não tinha mais prazer no trabalho, suas amigas se tornaram rivais, já que entraram numa guerra silenciosa para caçarem homens, pois todas acreditavam que estarem solteiras era um defeito gigantesco para uma mulher acima dos 40 anos. Ela sentia que era preciso mudar, se reinventar e descobrir novos objetivos na vida. Apesar da maioria das pessoas com quem falou a respeito, criticarem alegando que estava com quase 50 anos e era loucura uma mudança tão radical, ela encarou e foi, com medo, mas foi.
Queria uma cidade menor, mas que não fosse tão longe da capital, afinal tinha seus filhos e a família, era muito apegada a eles. Depois de dias procurando em sites e em conversas com conhecidos, descobriu Nova Lima que ficava há menos de 30km da capital e foi considerada a melhor cidade para se viver em seu Estado. Viu as fotos e adorou a cidade, achou charmosa e se viu morando numa daquelas casas típicas do interior. O próximo passo era buscar um emprego, enviou currículo a todos os colégios particulares e, depois de um mês recebeu um telefonema da diretora do Colégio Santo Antonio. Apesar de já estarem no meio de outubro, queriam contratá-la para começar ainda nesse ano.
Paula pediu demissão do trabalho e decidiu passar o fim de semana na nova cidade, sentir o clima, conhecer o colégio e quem sabe, já procurar uma casa. Na reunião com a diretora ficou sabendo que deveria começar dentro de 30 dias e que seria professora de literatura para o colegial, teria 4 classes e o salário era mais que o suficiente para ela sozinha. Comentou que precisava procurar uma casa e a diretora Maria do Carmo indicou um amigo que tinha uma imobiliária. Passou o fim de semana visitando casas e acabou escolhendo uma que ficava perto da praça principal.
Quando voltou para a capital, marcou um jantar com os filhos e expôs sua mudança e planos. O filho vibrou e disse que estava empolgado com a repentina mudança da mãe, que não entendia como ela pode ficar tanto tempo num casamento sem graça, onde se dedicou tanto ao marido e ele não reconhecia. Já sua filha achava que era loucura, que ela morava numa ótima casa, que ia decair seu padrão de vida e que não entendia como ela, já velha ia se sujeitar a morar na roça e numa casa pequena e feia. Paula se surpreendeu com as reações dos filhos, não imaginava que seu filho fosse tão desprendido e que a filha pudesse ser tão machista e arrogante.
Em comum acordo com o marido e os filhos, decidiram manter a casa da capital exatamente como estava para quando ela precisasse passar alguns dias lá, e ela iria comprar tudo novo para seu novo lar.
Paula e Mauricio construíram juntos um belo patrimônio e depois do divórcio, resolveram o que cada um teria direito e a casa onde até então moraram juntos, seria dela e, apesar de não ter condições de manter duas casas, seu ex-marido decidiu que a manteria em nome dos tantos bons anos que viveram juntos.
Paula não queria depender financeiramente do seu ex em sua nova fase de vida, mas ao mesmo tempo, não queria se desfazer do lar que abrigara sua família por tantos anos e sabia que seria impossível manter tudo sozinha, acabou aceitando a proposta.
Na mesma semana comprou os móveis e tudo o mais que era preciso para sua nova casa e a mudança aconteceu em poucos dias. Passou os dez primeiros arrumando seu novo lar e quando chegou a data que iria começar no colégio, já tinha tudo organizado.
Clara
Já morava em Nova Lima há 4 anos onde tinha seu pequeno bistrô. Clara era paulista da capital e foi casada por 5 anos com Alice, dos 23 aos 28. O casamento acabou quando Alice decidiu que deveriam viver um relacionamento aberto, porém só para ela. As brigas no último ano foram constantes e o que era liberdade para Alice, era considerado traição por Clara. O grande problema era que Alice começou a sair com outras pessoas mesmo sabendo que sua esposa não tinha digerido e assimilado esse novo tipo de relação proposto. Por cinco meses, Clara não saiu com ninguém e apenas pediu que Alice não comentasse o que fazia e com quem fazia quando não estavam juntas. Numa festa de despedida de um amigo do casal, Alice resolveu levar sua namorada sem avisar Clara, que ficou chocada. Naquela noite Clara bebeu mais do que estava acostumada e se deixou seduzir por uma mulher linda, de quem não sabia absolutamente nada.
No dia seguinte quando entrou em casa, se deparou com Alice andando de um lado para o outro, muito nervosa. Discutiram muito e Clara compreendeu que Alice era egoísta e ciumenta, que o tal relacionamento aberto era só para ela e que se mantivessem o casamento, ambas só se machucariam ainda mais. Para haver harmonia, ambas deveriam concordar sobre como seria essa relação, aberta ou fechada, uma contaria a outra sobre tudo ou se poupariam, e tantas outras coisas. Clara decidiu terminar tudo e arrumou suas coisas, foi para a casa de um amigo e ficou por um tempo lá. As duas decidiram que seria melhor cortarem qualquer tipo de contato. Foi o que fizeram.
Ela sofreu muito, pois amava Alice e sabia que a relação sempre fora boa e feliz, não entendia o que deu errado e nem percebeu quando começou a ficar diferente.
Trabalhava como cozinheira num restaurante conhecido de São Paulo e gostava muito da profissão, porém com o término do casamento se viu desanimada com tudo. Sua irmã sugeriu se não era hora dela realizar o sonho antigo de morar numa cidade menor e tentar abrir seu próprio restaurante, agora que estava solteira. Clara pensou, fez contas e viu que tinha condições de investir em algo dela e que seria mais fácil dar certo, se não fosse numa cidade tão grande e competitiva como São Paulo.
Com a ajuda da irmã e do Guto, o amigo com quem foi morar, buscaram por uma cidade com até 100 mil habitantes, que tivesse apelo turístico, fosse perto de alguma cidade grande, de preferência alguma capital e que tivesse uma boa qualidade de vida. Depois de dias debatendo, selecionaram 3 cidades que pareciam ideais, eram Camboriú em SC, Valinhos em SP e Nova Lima em MG. Nas suas férias, Clara foi visitar cada uma delas e passou três dias em cada. Apesar de amar praia, achou Camboriú um lugar muito caro, em Valinhos se sentiu bem, porém, já que iria mudar e tentar algo novo sentiu que deveria mudar de Estado e foi assim que se tornou moradora de Nova Lima.
Com suas economias acabou alugando uma casa grande de esquina no centro da cidade, no andar de cima fez sua casa e no térreo seu bistrô, assim nascia seu “Flor de Liz”.
Os dois primeiros anos foram difíceis como já esperava, demorou até conseguir tornar o “Flor de Liz” em ponto de encontro do pessoal e também para fazer amizades. Com muita dedicação conseguiu passar pela turbulência e já era conhecida por boa parte da cidade, tinha uma vida tranquila apesar do muito trabalho que o bistrô exigia. A cada quinze dias ia para a Capital fazer as compras, aproveitava para ir ao teatro, cinema, museus e a cada dois meses, ia para São Paulo visitar a família e amigos.
Depois de 4 anos solteira, sem nem mesmo namoricos ou casos descompromissados, começou a sentir falta de ter alguém para compartilhar a vida, dividir sonhos e esforços, enfim, se divertir e não ter apenas seu restaurante como objetivo na vida. Mas tinha receio, pois a cidade era pequena e as pessoas ainda criticavam quem se relacionava e amava pessoas do mesmo sexo.
A cidade tinha muitos condomínios de alto luxo, como é perto de BH, o pessoal vinha da capital para construir suas mansões em um lugar mais tranquilo. Essa era parte da clientela que Clara conseguiu conquistar, em alguns finais de semana ela promovia algum evento para atrair novos clientes.
Num deles, conheceu Helena uma arquiteta da capital que tinha acabado de se mudar para a cidade. Se tornou frequentadora do bistrô e a amizade entre as duas cresceu. Num sábado à noite, Helena foi jantar sozinha e ficou até fechar. Convidou Clara para lhe fazer companhia e conversaram bastante.
- Sabe Clara, tenho 54 anos, um filho adulto e um marido egoísta e ausente. Sempre fui fiel e me dediquei inteiramente a ele, sabe o que ganhei? Vários chifres e raros orgasmos!
- Nossa Helena!! – diz engasgando com o vinho.
- Ah querida isso é infelizmente, comum nos casamentos que duram muito tempo e que se mantém simplesmente porque nenhum dos dois quer abrir mão do status, do dinheiro, enfim, ser mal falado na sociedade que frequenta.
- Sempre achei que o casamento deveria se manter porque tem amor, vontade de estar junto.
- Uma ideia romântica e irreal menina. O casamento acaba sendo uma sociedade onde ambos se toleram e cumprem pequenas regras para que os outros não descubram as escapadelas. Um eterno varrer a sujeira para debaixo do tapete.
- E adianta se sujeitar a isso se você é infeliz??
- Eu era até dois anos quando começamos a construir nossa casa aqui. Vinha muito pra supervisionar a obra, comprar materiais, falar com os empreiteiros. Aí conheci o Carlos, engenheiro que fez a obra. Ele tem 40 anos, também casado. Não demorou muito e acabamos tendo um caso.
Clara fica boquiaberta com a revelação, sempre careta e romântica, não imaginava que alguém como Helena tivesse um caso. Não disse nada, apenas ficou ouvindo o desabafo da nova amiga.
- Nosso caso durou todo o tempo da obra, terminou quando a casa ficou pronta.
- Ele te usou e largou!! – diz Clara indignada.
- Lógico que não, nós nos usamos e aproveitamos ótimos momentos juntos! Tenho um casamento mantido por conveniência e ele é um cara que ama a mulher, mas que sente falta de, vamos dizer que de novidades, apenas juntamos nossas vontades.
- Mas você não vai sofrer? Não se apaixonou por ele??
- Me apaixonei pelos momentos deliciosos que desfrutamos. Ele me ajudou a ver que posso e devo buscar ser feliz. Meu marido se um dia souber, nem poderá reclamar, pois seu passado lhe condena e muito!
- E agora que acabou você vai fazer o que?
- Procurar outra pessoa que me interesse e entenda que quero apenas viver bons momentos. A parte chata das relações, divido com meu marido, já nos acostumamos. – e toma um gole do vinho.
Naquela mesma noite, já deitada na sua cama, Clara fica relembrando da conversa com Helena. Será ela careta demais ou a outra que é meio devassa?