Segunda e terça são os dias de folga do bistrô, Clara resolve acordar cedo e dar uma volta de moto pela cidade e ir até o Parque Serra do Rola Moça. Mais tarde na volta do parque, resolve ir à Igreja Nossa Sra do Rosário. Senta-se num banco perto do altar e fica admirando a delicadeza das obras nas paredes e tetos. Quando olha para o banco mais a frente, à sua direita, vê Paula ajoelhada, parece que rezando.
Paula senta no banco e fica admirando o altar, agradecendo as bênçãos que teve nesses últimos meses, principalmente à coragem de mudar tanto sua vida em um tempo relativamente curto. Pede que seus filhos sejam guardados pelos Santos e Anjos, lembra das conversas com sua filha sempre tão agressiva e com tantos preconceitos, pede que à ela seja concedida a graça da benevolência. Ao filho tão desprendido e com uma cabeça tão leve e livre de regras e normas, pede que o mantenha sempre assim. Então se levanta e, quando se vira para sair da igreja, vê Clara sentada na fileira do lado, uns dois bancos atrás.
- Boa tarde. – diz Paula com sorriso.
- Boa tarde Paula, surpresa boa te ver aqui.
- Hoje resolvi agradecer, rezar um pouco.
- Hoje e amanhã são minhas folgas, resolvi passear um pouco pela cidade.
Antes que Paula falasse algo, Clara pergunta num tom doce:
- Olha estou faminta, você aceita me fazer companhia?
- Nossa adivinhou meu desejo.
- Estou de moto, quer uma carona?
- Morro de medo de moto, na verdade cai quando era jovem e nunca mais andei. E também estou de carro.
- Tem um lugar ótimo, não sei se conhece...
- Ah se for um bistrô charmoso no centro e com ótima comida, conheço sim! – dá um sorriso e pisca para Clara.
- Não seria esse não... – diz Clara envergonhada.
- Aceito sugestões, sou nova aqui e estou conhecendo devagar cada canto da cidade.
- Chama Campestre, é ótimo e lindo. Lugar rústico, com uma paisagem deslumbrante e excelente comida. Quer conhecer?
- Sim!
Paula segue Clara até o restaurante. Fica encantada com o lugar. Sentam-se perto da janela para admirarem o lugar. Pedem o que o garçom recomenda e, entre uma garfada e outra, um gole e outro, vão falando da vida, o que as fizeram mudar para essa cidade.
- Sabe, acabei vivendo um relacionamento bom por um tempo e depois, por uma escolha unilateral, ele se transformou em algo que eu não concebia. – diz Clara e explica a proposta de relacionamento aberto que Alice propôs.
- Olha devo ser muito careta, pois não me vejo nesse tipo de relacionamento Clara.
- Confesso que na hora foi um soco no estomago, mas depois fui pensando na possibilidade. Se a Alice tivesse sido menos egoísta, talvez tivesse dado certo. – dá um grande gole no seu suco.
- Ela ir pra cama com outra???
- E eu também...rsrs
- Que estranho!
- Sabe Paula, se pararmos para pensar, há muita hipocrisia nas relações. Me pergunto se não confundimos amor com posse.
- Como assim?
- Se amamos alguém, tudo que queremos é vê-lo feliz, concorda?
- Hum...
- E dá para ser feliz sem liberdade?
- Não, mas como aceitar quem você ama com outra pessoa?
- Não falo de sairmos todos juntos ou que ninguém é de ninguém. Me refiro ao fato de não acharmos que a pessoa é um objeto nosso, que deve satisfazer nossas expectativas e atender nossas carências.
- Não sei se entendo o que quer dizer...
- Depois do meu último relacionamento, comecei a questionar muitas coisas. Fui conhecendo pessoas com outras visões que me fizeram refletir.
- Isso quer dizer que procura um relacionamento só de sexo?
- Não! Claro que não!! – e Clara solta uma doce gargalhada.
- Não entendo. – Paula diz muito confusa.
- Paula o que acredito, ao menos hoje em dia, é que um relacionamento bom é aquele, onde ambas se doam na mesma medida, onde é conversado tudo com clareza, sem controle, sem ciúmes e sem mentiras. Se há um desejo por outra pessoa, acho que deve ser conversado, sabe? Sem carregar culpas ou medos. Onde haja transparência.
Paula fica quieta, pensativa. Clara percebe que pode ter assustado a nova amiga. Sabendo um pouco sobre como foi sua vida, entende que é algo muito novo para ser digerido tão rapidamente.
Terminado o almoço, ambas se despedem e voltam para suas casas. Paula passa a tarde e a noite em casa, arrumando os novos objetos de decoração que comprou na semana. Quando senta na varanda com uma taça de vinho, fica relembrando da conversa do almoço.
Clara tira o resto do dia para descansar em casa, deita no sofá e pega um livro, mas não consegue se concentrar, fica pensando em tudo o que conversaram no almoço. Lembra da cara assustada de Paula quando comentou sobre o que espera de um relacionamento, do que acha sobre o ciúmes e fidelidade. Imagina se um dia ela mesma conseguiria viver isso tudo, antes será preciso achar com quem dividir esse sonho.